domingo, 4 de maio de 2014

Contatos imediatos de primeiro grau

Logo após meu retorno do Agile Trends, na segunda, nós fizemos uma experiência no escritório e recebemos algumas representantes de venda direta (clientes) para testar o produto que estamos desenvolvendo para esse segmento de mercado.

Minha mente estava naquele estado de ebulição, comum após eventos, onde um milhão de ideias e melhorias percorrem sua mente, o processo de ter contato com uma comunidade que vibra na mesma sintonia que você promove uma energização que é indescritível!

A experiência que estávamos realizando estabeleceu imediatamente um link com a palestra da Diane Corrêa sobre "Agilidade na gestão de produtos digitais" na qual ela mencionou o "get out of the building", bem como o fato de que no meio dela, notícias, ainda existe o mito de que as empresas ditam aos clientes o que eles devem consumir e o que lhes interessa. Eu me indago o quanto desse mito não permeia talvez muitos outros negócios, mas vou deixar esse amplo tópico para outro post.

O "get out of the building" tinha acendido uma lâmpada de alerta na minha mente e o timing do nosso experimento não poderia ter sido melhor.

Nós fizemos uma pesquisa pequena, somente com 3 representantes, dividida em 2 segmentos: entrevista qualitativa sobre hábitos e sessão monitorada de uso do produto, eu fui uma das pessoas que entrevistou e acompanhou o uso. Desnecessário dizer que ainda temos muito o que refinar no nosso processo, mas essa primeira rodada foi, considerando o mais critico dos críticos, educativa. Eu vou dizer que minha cabeça explodiu :)

Existe a ciência intelectual do conceito de "usuário viciado" ou "heavy user", mas quando eu comecei a assistir a Maria (nome fictício) usar o sistema, o gap entre a fluência de um profissional que passou uma vida pensando em sistemas e como controlar o mundo com eles :), e uma atendente de supermercado, ou assistente de professora de primário, enfermeira, dona de casa, etc começa a ficar gritante.

A proximidade com usuários corporativos administrativos não faz jus, uma vez que eles também são à sua maneira usuários viciados, talvez menos, mas ainda assim viciados. Adicionalmente existe uma premissa oculta (ou não) em produtos de uso corporativos administrativo que não existe quando estamos desenvolvendo um produto para o mercado consumidor final: o usuário corporativo será obrigado a usar o seu produto uma vez que ele seja instalado, quer ele goste ou não, quer ele ache difícil ou não, existe um limite de resistência que ele pode exercer, mesmo nas empresas que dão mais poder ao pessoal de negócios, questões políticas resolvidas em outras esferas, vendas para executivos, ou estratégias globais de "tecnologia da informação", podem impor uma realidade dolorosa ao dia-a-dia de muita gente e isso consistentemente denigre e impede o crescimento do segmento de usabilidade como pilar na arte de construção de sistemas (ou produtos que sejam software).
Enterprise software still doesn't care about users. Its focus continues to be serving executives, rather than employees, because executives make buying decisions. Therefore, we see all the song and dance about BI and in-memory computing, while employees continue to suffer with terrible UIs and no options.1
O uso abrangente de software pelo mercado consumidor final muda o paradigma da construção de sistemas, na minha opinião de forma muito positiva, os smartphones e apps (sobre tudo e para tudo), consolidaram essa mudança. Importante notar que a mudança ocorre quando softwares saem do escopo do escritório e invadem de forma definitiva todos os aspectos da vida das pessoas, com todos os benefícios e malefícios que isso implica3. Mais uma vez a ciência de "engenharia" de sistemas segue seu curso natural histórico, sendo desenhada por necessidades, primeiro de negócios e agora de indivíduos!
The rise of tablets and smartphones also reflects a big shift in the world of technology itself. For years many of the most exciting advances in personal computing have come from the armed forces, large research centres or big businesses that focused mainly on corporate customers. Sometimes these breakthroughs found their way to consumers after being modified for mass consumption. The internet, for instance, was inspired by technology first developed by America's defence establishment.
Over the past ten years or so, however, the consumer market has become a hotbed of innovation in its own right. “The polarity has reversed in the technology industry,” claims Marc Andreessen [...] 2
Essa mudança de foco que está em andamento possui consequências monstruosas. O antes dócil usuário corporativo tenderá a cada vez mais exigir padrões de construção e interface "de mercado". O valor de uma interface amigável e fácil de usar já é um dos atributos valorizados por empresas como a Gartner quando da elaboração dos seus quadrantes mágicos (levantamento interno). Dentro do segmento de TI, uma valente vanguarda ágil cada vez mais luta para abandonar conceitos de "projetos" e "sistemas" e abraçar a perspectiva de produtos e "problem to be solved". Valores e práticas de marketing e design começam a ser incorporados no processo de construção de software, entre eles o aqui mencionado "get out of the building", medição de valor do produto pela taxa de conversão ou adoção, entre outros.

As perguntas que deixo aos donos de produtos corporativos que estejam lendo esse texto são: Sua interface é amigável? Seu produto é fácil de usar? Qual o valor dado ao design dentro da sua empresa? Como você obtém e renova seu conhecimento quantitativo e qualitativo sobre seus usuários corporativos? Caso sua UI seja antiguada você já programou ou priorizou uma renovação visual?

Minha dolorosa crença é que a maior parte dessa questões obterão retornos negativos. Meu foco nos produtos corporativos é em parte por considerá-los ligeiramente abandonados na literatura, talvez pelo conforto da posição atual na qual esse segmento se encontra, até que, uma mudança que se realizada hoje poderia seria considerada um diferencial de mercado, uma inovação, se torne um "must have". O dinheiro gasto executando a mudança será o mesmo, o timing de impressionar positivamente o usuário corporativo estará perdido.

De qualquer forma, o domínio do consumidor sobre o software enquanto produto é fato indiscutível, o consumidor final não se preocupa em ser agradado, pois ele detém todo o poder de simplesmente não utilizar seu produto e ainda criticá-lo publicamente (ouch!). Sendo assim, vivencias como minha tarde com a Maria, na qual eu descobri que homogeneidade de layout pode ser um problema, existem pontos cegos na tela, a necessidade de uma iconografia forte para a interface (morte aos textos), como a linguagem (labels na tela) podem interferir de forma decisiva na navegação, a facilidade com a qual formulários de pesquisa e inclusão podem ser confundidos, a forma como a estruturação do pensamento é orientada à entidade mais forte (principal) e não cartesianamente como na minha mente sistêmica, etc são todas lições/aprendizados de valor inestimável. Acima de tudo fiquei absolutamente fascinada com a diferença de mapa mental e como algumas coisas que pude observar jamais teria sido capaz de conjecturar.  

Referências:
1 - KRIGSMAN, Michael. Enterprise software under attack. ZDNet, 2 Nov. 2011. Acesso em: 12 Fev. 2014.
2 - Beyond the PC. The Economist, 8 Out.2011. Acesso em: 5 Mai. 2014.

Outras leituras de interesse:
3 - SARWAR, Muhammad; SOOMRO, Tariq Rahim. Impact of Smartphone’s on Society. European Journal of Scientific Research v. 98, n. 2, p. 216-226, Mar. 2013. ISSN 1450-216X. Acesso em: 05 Mai.2014.
4 - Conference Board. The Linked World: How ICT is Transforming Societies, Cultures, and Economies.Out.2011, 40 p. Acesso em: 4 Mai.2014.




5 comentários:

  1. Bela iniciativa. Espero ver tambem abordagens em inovação extra-universo TI e e-market. A engenharia tb tem que sair da caixa. Parabens.

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  2. Ao ler esse texto não pude deixar de compará-lo às ideias da sociedade em rede de Augusto de Franco, a importância de se romper com sistemas conservadores (sistêmicos) afim de acompanhar o mundo altamente conectado da sociedade do conhecimento. Abaixo deixo 2 leituras que dialogam com o texto do blog.

    http://pt.slideshare.net/fabiopedrazzi/franco-augusto-vida-e-mortes-das-empresas-em-uma-sociedade-em-rede

    http://pt.slideshare.net/augustodefranco/mtricas-de-rede-em-empresas?qid=04b3101b-a501-47d7-8056-9852b81d2d1a&v=qf1&b=&from_search=1


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  3. Obrigada pela contribuição Luanda! Vou ler pois ainda estou para escrever, o foco do blog é inovação é meu entendimento sobre as dimensões da inovações tem muitos aspectos humanos, logo esse tipo de material muito me interessa.

    Antonio, eu vou falar um pouco sobre o que eu conheço, mas os temas mais administrativos e humanos com certeza vão ser abrangentes o suficiente para outras áreas.

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  4. mais um: http://pt.slideshare.net/augustodefranco/redes-inovao

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  5. Como usuária só consigo concordar com todo o texto. E mais uma vez empatia é a parte mais difícil e necessária do sucesso.

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