domingo, 14 de setembro de 2014

A perspectiva do rinoceronte

Esse é um meta post sobre as cores com as quais eu vejo a questão da inovação, talvez até como eu experimento o mundo.

Deixar claro a perspectiva de um autor é fundamental, pois nosso ponto de vista particular, impregna a forma como observamos e experimentamos a vida e com certeza não seria diferente quando expressamos nossa opinião sobre qualquer tema, ainda mais muito deles humanos como os que permeiam esse blog.

Fonte: http://www.funnyjunk.com/funny_pictures/3552345/Rhino+s+perspective/

Acredito que a inovação seja uma disciplina multifacetada pautada por alguns temas e características universais, são eles:


Complexidade


Inovação é complexidade. A evolução das últimas décadas social, mercadológica, tecnológica, científica é fruto do aumento da nossa capacidade coletiva de processamento de informações e aprendizado. O conjunto de propriedades de um sistema complexo é enxuto [1]: 

  • Comportamento coletivo complexo auto-organizado;
  • Envio de sinais e processamento de informações dos ambientes interno e externo;
  • Adaptam-se de acordo com o que aprendem a fim de garantir a sua sobrevivência, com isso evoluem;
O principal motivo para inovar das empresas é garantir a sua sobrevivência, isso não é possível sem a interação entre os ambientes interno e externo, bem como aprendizado e evolução em face dos resultados obtidos.

Os processos propostos para inovação nem de longe possuem o rigor necessário para que uma abordagem de controle definido seja aplicável, logo naturalmente caminhamos para o controle empírico, ciclos de feedback e a agilidade enquanto movimento cultural.

Os desafios que a complexidade confere à inovação são a coragem e disciplina necessários para viver num estado de busca constante por uma versão melhorada do que somos. Identificar pontos de melhoria implica em sermos honestos e críticos em relação as nossas falhas, simultaneamente precisamos ter paciência e ponderação para respeitar os ciclos de feedback, ou seja, almejamos nada menos do que o equilíbrio.

...mas a inovação é essencialmente humana e isso significa que temos uma aversão natural ao erro, em especial numa sociedade ulta competitiva como a nossa, na qual aprendemos desde muito cedo que falhar é provavelmente uma das piores coisas que você pode fazer na sua vida. TED Talk da Kathryn Schulz - On being wrong:



A Katrhryn Schulz nos dá ainda os subsídios para justificar outra característica humana: resistência a mudança. Para reconhecermos que é necessário mudar precisamos determinar que existe algo que pode ser melhorado, algo por assim dizer, errado. Se cultivamos uma aversão ao erro, com certeza não abraçamos mudanças. A resistência a mudança é vastamente discutida em textos administrativos, mas o resumo da ópera é que odiamos o inesperado, construímos nossas ações em cima de um conjunto estruturado de crenças e princípios suportado por nossos resultados passados. Ao mudarmos um segmento de nossas vidas nada nos garante que no mais a vida continuará a mesma e essa possibilidade de instabilidade gera medo, mesmo quando inconsciente.

Por fim, mas não menos importante, somos criaturas paradoxais. Reproduzimos as mesmas ações esperando resultados diferentes, vivemos insatisfeitos, somos inconsistentes, irracionais, emocionais e frequentemente sequer nos damos conta das nossas idiossincrasias. A inovação se beneficia do potencial criador inerente da nossa natureza, mas exige disciplina na manutenção do hábito de inovar.

Método Científico

A manutenção do hábito de inovar requer clareza de visão e objetivo. Raramente, mesmo empresas, são tão racionais quanto gostaríamos, logo a aplicação do método científico infunde racionalidade e lógica enquanto princípio na complexidade, genialidade e qualidade paradoxal dos demais ingredientes necessários para a inovação.

O método científico pode ser interpretado como componente regulador, podendo por vezes até mesmo, talvez, ser considerado como uma restrição para a liberdade de criação mais ampla, mas definitivamente é fundamental para conseguirmos realmente trafegar por esse caminho com qualquer esperança de compreendermos e aprendermos com o que estamos fazendo.

Convivemos com o mito de que a melhoria contínua e adaptação constante sejam objetivos simples. A mudança como meio de vida é dolorosa, pois implica em constante reflexão e reconhecer os nossos pontos frágeis, contudo só é possível determinar sucesso, fracasso e a necessidade de mudança quando temos claro o que desejávamos alcançar, como pretendíamos alcançar, quais as razões pelas quais o objetivo foi selecionado em primeiro lugar, ou seja, quais eram as premissas (verdadeiras e falsas) que permeavam nossa escolha e julgamento?

O conjunto de técnicas e processo do método científico é ideal para a inovação!

  • Definição de um objetivo a ser alcançado;
  • Definição de uma hipótese sobre como alcançá-lo, inclui aqui premissas e condições necessárias, bem como, preferencialmente, índices que permitam de uma forma mais rápida e simples indicar se o caminho sendo percorrido está correto;
  • Condução dos experimentos, sejam eles estudos de mercado, construção de provas de conceito, pesquisas ou trial de um processo. Precisamos angariar dados e comparar os resultados concretos com as hipóteses.
  • Durante o experimento, precisamos medir nosso desempenho frente as expectativas iniciais, é uma atividade contínua. O tempo do experimento pode ser determinado por um índice ou timeboxed, respeitando um período mínimo que julguemos necessário para que o experimento tenha gerado informações suficientes ou demonstrado seus efeitos, como por exemplo, ao testarmos um novo processo numa empresa. 
  • Ao considerarmos o experimento concluído, precisamos analisar os resultados dos dados coletados e dos índices obtidos. Sempre objetivando a geração do conhecimento, mantendo em mente que apesar de estarmos usando o método científico como base, estamos utilizando-o num contexto humano e complexo com muitas variáveis e conexões desconhecidas, logo nuances não devem ser descartadas, o desejo de trabalhar nos extremos dos espectros deve ser evitado, bem como o determinismo e nossa tendência natural de enxergar correlações onde elas não existem. Também é importante que tenhamos certeza que todas as condições iniciais necessárias foram atendidas, fizemos o que havíamos nos proposto da forma como havíamos nos proposto? 
  • Por fim, precisamos chegar a uma conclusão, tomar um decisão, continuar, matar ou pivotear? A beleza consiste no fato de que no mundo dos negócios as decisões são sempre tomadas em condições imperfeitas, nunca temos todos os dados, o viés cultural e social de onde estamos inseridos, bem como o timing do experimento pode ser determinante para que decidamos matar um projeto que em outro momento ou sociedade seria continuado. Não podemos tomar todas as decisões de inovação como se fossem a última de nossas vidas, não podemos assumir que todos os experimentos de inovação permanecem válidos após algum tempo, precisamos compreender que as decisões de inovação são indissociáveis do momento no qual a decisão foi tomada.

O método científico serve tanto ao propósito de testar as inovações em si mesmas, como o próprio processo de inovar. Cada empresa possui uma realidade e maturidade próprias a acomodar, entretanto o foco dessa abordagem é errar caminhando na direção correta, é ter clareza de visão, respeitar o componente humano, permitindo que ele seja plenamente aproveitado. Se as empresas efetivamente compreenderem que conhecimento e retenção de talentos no mundo moderno é dinheiro e poder, fica muito mais fácil pensarmos em estabelecer uma cultura corporativa que comemora o aprendizado tanto quanto o sucesso.

Nada do que foi proposto constitui tarefa simples. Empresas nasceram para ganhar dinheiro e isso também precisa ser ponderado na equação, no entanto a existência de um "fundo perdido" subsidiado por outras iniciativas mais seguras, associado à correta seleção de uma equipe de espírito empreendedor possibilita a condução da empresa à grandeza de forma mais rápida e significativa do que outras iniciativas mais "controladas" e sufocadas pela necessidade indiscutível de manter a empresa viável que permeia o dia-a-dia.

Isto posto, infelizmente nossa tendência a encontrar culpados, e cultura social, bem como corporativa, orientada a punição tolhe a inovação no berço. Ouso acreditar que o único real desafio da inovação seja cultural: genuinamente aprendermos a valorizar e aprender com nossos erros.


Referências:
[1] MITCHELL, Melaine. Complexity: A Guided Tour. Oxford University Press, 2009.
[2] SCHWABER, Ken; BEEDLE, Mike. Agile Software Development with Scrum.    Prentice Hall, 2002.