domingo, 22 de junho de 2014

A curiosa relação entre a teoria e a prática

O autor convidado,  Fabio Tadashi oferece um contraponto à crítica sobre a morosa evolução das teorias administrativas do post "1930 - O ano que a administração empacou e por que isso nos importa.".

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Empreender, dentro ou fora da empresa, experimentando desafiar o senso comum para descobrir jeitos melhores de trabalhar, gerar riqueza e criar significado no trabalho. Afinal, quem não quer produzir mais, fazendo o que gosta e impactando positivamente a sociedade?

Essa é a busca de toda empresa. Mas encontrar um caminho sempre é mais difícil do que parece.

No post "1930 - O ano que a administração empacou e por que isso nos importa.", a Erica faz um breve histórico das teorias gerais da administração nos últimos 100 anos notando, acertadamente, que muito pouco mudou nesse tempo. De fato é de se pensar: com tantos avanços tecnológicos e mudanças importantes no comportamento das pessoas é surpreendente que as empresas sigam sendo geridas exatamente da mesma forma que há um século.

Mas será que existe uma boa razão para isso? Onde podemos encontrar pistas para essa relativa falta de mudança?

O problema das teorias

No Brasil é comum falarmos que "na prática, a teoria é outra". Se muitas vezes o ditado é usado para justificar o improviso ou a desqualificação do estudo, por outro lado existe uma certa dose de bom senso nele.

Diferente da ciência, da matemática e de outros campos do conhecimento, nos quais os modelos teóricos são testados, reproduzidos em condições controladas e colocados em prática em coisas tão reais e concretas quanto a construção de uma ponte ou a subida de um satélite, a administração segue sendo um campo de tentativa e erro.

E toda tentativa de criar modelos universais tem falhado de forma contundente.
Tome, por exemplo, o famoso método dos estudos de caso, popularizado e eternizado pela Harvard Business School. Nele, alunos se debruçam sobre histórias reais de empresas e discutem com especialistas quais a melhores decisões a se tomar em contextos hipotéticos.

A vantagem de se ter o histórico de cada caso, com a decisão tomada e as consequências, ajuda a avaliar se a solução proposta pelos alunos faz algum sentido. No entanto, críticos do modelo apontam para o fato de que reduzir um problema complexo e cheio de contexto a um estudo de caso pouco faz pela capacidade de enfrentar situações reais, com seus próprios contextos.

Muito da própria literatura de negócios tenta seguir nessa mesma direção. Phil Rozensweig, professor de estratégia do IMD e autor do livro The Halo Effect and the Eight Other Business Delusions that Deceive Managers (lançado em português sob o título "Derrubando Mitos"), comenta em seu livro a respeito da ilusão das explicações pseudocientíficas do desempenho das empresas.

Rozensweig cita dois livros muito populares, "Em Busca da Excelência" de Tom Peters e "Feitas para Durar", de Jim Collins, como exemplos de como gerações e gerações se deixaram levar por argumentos de que existe uma fórmula infalível do sucesso de uma empresa. É particularmente divertido notar que as empresas "Feitas para durar", embora ainda existam, já nem de longe tenham o mesmo desempenho que tinham, obrigando o autor a se explicar, dizendo que "os livros nunca prometeram que estas empresas seriam sempre grandes, apenas que já foram grandes.".

Aprender fazendo

Considerando a quantidade de escolas de negócio que surgem todos os anos e o volume de dinheiro movimentado por elas, é de se pensar que o debate tende a ser contaminado por todo tipo de interesse, ainda mais pela natureza instável do mundo empresarial.

No entanto, tenho a impressão de que é mais sensato não apostar em modelos universais, mas em reconhecer que o mundo é extremamente complexo e que a administração sempre será, por natureza, muito limitada na sua capacidade de explicar o mundo.

Essa é a visão de Henry Mintzberg,  Professor de gestão da Desautels Faculty of Management da McGill University em Montreal, Canada, onde leciona desde 1968. Mintzberg argumenta em seus livros que precisamos não de MBA´s, mas de Gestores. Capazes de aprender a partir da própria experiência, os conhecimento dos próprios alunos tem peso muito maior que as teorias, já que eles mesmos passaram por situações e decisões reais e que, portanto, tem condições de falar do tema e dos aprendizados.

Mintzberg também é crítico do planejamento estratégico como o conhecemos, advogando em favor de uma visão na qual a estratégia surge em qualquer nível da organização, complementando ou substituindo a estratégia tradicional por uma mais preparada para adaptar-se às condições do mercado e contexto.

Adaptar-se ao meio. Aprender com a prática real de gente que já passou por decisões difíceis. Reconhecer a influência da cultura, do viés de decisão individual, dos diferentes mercados e épocas, tudo isso me parece fazer muito mais sentido em um tempo tão turbulento quanto o nosso.

Ajustando expectativas

Considerando o tamanho do mercado de educação executiva e o tempo de consolidação de alguns paradigmas da administração, não vejo mudanças acontecendo depressa, tanto pelos muitos interesses envolvidos quanto pelo poder da inércia, que é grande.

Mas assim como as circunstâncias sempre forçaram mudanças, a teoria da administração também deverá passar por uma transformação importante, sob pena de tornar-se irrelevante. Já temos sinais disso acontecendo, com o surgimento de gigantes globais capitaneados por empreendedores completamente fora dos padrões típicos de administradores formados em escolas de negócio.

Curiosamente, estes mesmos empreendedores que revolucionam setores inteiros da economia acabam, em um momento ou outro, buscando escolas de negócio para obter conhecimento de como estruturar o crescimento de suas empresas ou CEO´s vindos de empresas tradicionais, fechando assim o ciclo.

É por isso que acredito que precisamos ter discernimento para tanto usar bem os modelos existentes quanto ter coragem para desafiá-los em busca da inovação. Afinal, talvez seja através dessa ambiguidade que surjam os próximos caminhos a serem seguidos pelas empresas inovadoras e que construirão o futuro dos negócios.

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